Formigas - Como surgiu a primeira colônia de Formigas ?

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Formigas atacando o ninho de uma vespa caçadora 
Foto de Maciej Cieslak

Na publicação “Formigas - Porque as Operárias cuidam da Rainha ?” eu mostrei quais foram os motivos que levam uma colônia de formigas a viver de forma tão unida. Agora nessa publicação eu vou mostrar pra vocês como foi que a primeira colônia de formigas surgiu. 


Criando os filhos 

Tudo começou a partir de um pequeno probleminha: como criar os filhos ? Toda a evolução do comportamento social das formigas está baseada nessa questão. 

Uma fêmea de Rinoceronte Negro não tem muitos problemas para constituir uma família. Talvez o maior problema dela seja achar um macho adequado para ser o pai dos seus filhos, mas fora isso os problemas quase não existem. E porque existiriam ? Estamos falando de um animal que pode pesar mais de 1 tonelada e que pode matar facilmente qualquer um que apareça no seu caminho (qualquer um que não seja um elefante ou que não tenha uma metralhadora).
Mãe e filhote de Rinoceronte Negro (Diceros bicornis) 
Foto de Mani300

Bom, mas agora vamos imaginar um inseto mais ou menos do tamanho de uma moeda e com um peso de apenas alguns miligramas. Será que ele teria problemas para constituir uma família ? Sim, com TODA CERTEZA do mundo ele teria. Para a maioria dos insetos, as chances de um único indivíduo conseguir criar os próprios filhos é muito pequena. Existe um gigantesco mar de obstáculos a serem enfrentados pelo caminho para se constituir uma família. 

No caso dos insetos sociais os obstáculos basicamente estão relacionados com: 

(1) - Escolha de um local adequada para construir um ninho 
Um inseto adulto é vulnerável a um zilhão de coisas (chuva, sol, vento, predadores, parasitas, parasitoides, etc.), então ele precisa escolher um local extremamente seguro para construir o ninho. Quando você é um inseto que mede apenas alguns milímetros, procurar por um abrigo pode ser uma tarefa extremamente difícil, ainda mais quando você tem que percorrer vários quilômetros pra isso. Locais adequados são difíceis de achar (afinal, são super disputados por outros insetos), e ficar por ai vasculhando a procura deles pode ser muito perigoso (aliais, a maior parte dos insetos morre justamente nessa etapa).
Rainha sendo predada por uma aranha 
Foto de winterseitler

(2) - Construção do ninho 
Como se já não bastasse o trabalho de procurar um local, ainda tem o trabalho de construir um abrigo. Um ninho precisa ser bom o suficiente para enfrentar as intempéries (vento, chuva, etc.), predadores e ladrões (sim, alguns indivíduos preferem tomar um ninho já pronto do que construir um). Construir um ninho do zero é bem difícil e pode levar vários dias pra que ele possa ser construído.
Rainha começando construir seu ninho 
Foto de “Fir0002/Flagstaffotos
 

(3) - Proteção do ninho e cuidado com os filhotes 
Depois de achar um local e construir um ninho, chegou o momento mais esperado, o cuidado com os filhotes. As larvas da maioria dos insetos precisam de grandes quantidades de comida para poderem se desenvolver, então elas precisam ser alimentadas o tempo todo. Isso significa dizer que as fêmeas precisam fazer várias e várias viagens a procura de comida todos os dias. Mas como que elas vão fazer isso sendo que precisam ficar no ninho protegendo as crias ? 

A proteção de um ninho é uma tarefa que precisa ser realizada 24 horas por dia, porque os predadores, parasitoides e parasitas de ninho estão o tempo todo a procura de ovos e larvas indefesas. Como sair para procurar comida e vigiar o ninho ao mesmo tempo quando você é só uma ? Simplesmente não tem como. 

Todos esses obstáculos fazem com que as fêmeas tenham uma vida extremamente exaustiva, e como resultado a maioria delas não aguentam passar por tantas dificuldades e acabam morrendo no decorrer do processo. 

Só para dar um exemplo, vamos analisar a vida de uma fêmea da espécie Ropalidia marginata (uma vespa). Nessa espécie, o tempo que leva para o ovo se desenvolver em um inseto adulto demora entorno dos 62 dias. 
Vespa Ropalidia marginata 
Foto de Sandeep Handa

Sabe qual é a probabilidade de uma fêmea solitária continuar viva durante esse período para ver seus filhos nascerem ? A probabilidade é de apenas 12%. De todas as fêmeas de Ropalidia marginata que saem para construir uma família sozinhas, apenas 12% delas conseguem viver tempo suficiente para concluir a árdua tarefa de criar os filhos. As outras 88% das fêmeas solitárias morrem antes de ver seus filhos nascerem. 

Se elas morrem, os filhotes morrem e todo o esforço acaba sendo em vão. Todo esse esforço é em vão porque as fêmeas estão completamente sozinhas quando estão criando os seus filhotes, mas e se elas recebessem algum tipo ajuda no decorrer do processo ? 

Recebendo ajuda pra criar os filhos 

Se as fêmeas recebessem ajuda para criar os filhotes tudo seria diferente. Seria tão diferente que posso até afirmar que a evolução do comportamento social das formigas (e também vespas e abelhas) está baseada justamente nisso ai, na ajuda que as mães recebem para criar os filhos. 

A partir do momento que as fêmeas passam a receber ajuda para criar os filhotes, tudo fica mais fácil. Passam a existir mais indivíduos para, por exemplo: procurar comida; alimentar as larvas; limpar as larvas; proteger as larvas; aumentar o ninho ou reformar o ninho, etc. Com tantos cuidados as chances dos filhotes conseguirem chegar a fase adulta aumenta muito. Mesmo se a mãe dos filhotes viesse a morrer nesse intervalo de tempo, ela poderia descansar tranquilamente, porque outros indivíduos continuariam cuidando dos filhotes mesmo depois de sua morte, e assim seu esforço inicial não seria em vão. 
Ninho de Ropalidia marginata com vários ajudantes 
Foto de Abhadra

Tudo bem, já sabemos que receber ajuda facilita muito na criação dos filhos, mas de onde vem essa ajuda ? 
Antes de continuar, lembre-se: quando falamos de uma fêmea que está tentando criar os filhos sozinha, estamos nos referindo a uma vespa, ta ? Não estamos falando de uma formiga solitária, pois não existem formigas solitárias. Todas as formigas são espécies sociais, mas os ancestrais das formigas eram vespas, tudo começou com elas. Portanto, quando falamos em fêmeas solitárias, estamos nos referindo a uma vespa primitiva que foi ancestral das formigas, ta certo ? 

Bom, continuando. Por mais incrível que pareça, a ajuda para a criação dos filhos da fêmea solitária ancestral das formigas, vem justamente de seus próprios filhos. Mas como isso é possível ? 

Simples, não é possível (pelo menos não inicialmente). Primeiro a fêmea precisa escolher um local adequado, construir um ninho, protege-lo e cuidar das larvas, tudo isso completamente sozinha. Ela só vai receber ajuda depois que seus filhos nascerem, pois serão eles que vão auxilia-la a partir de agora. Depois que os filhos nascem, a mãe se encarrega de botar mais ovos, e esses ovos serão cuidados por ela e seus irmãos já adultos. É só a partir desse momento que as coisas passam a ficar mais fáceis para a mãe. Ela deixa de ser um inseto solitário e finalmente passa a ser um inseto social (ou seja, um inseto que vive em uma sociedade). 

Bom, mas porque eu escrevi a frase “Por mais incrível que pareça” ? Seria tão difícil assim imaginar os filhos ficando em casa para ajudar a mãe ? Na verdade, seria sim. Seria porque: 

Primeiro: a maioria dos animais são solitários ou vivem em agregações, o número de espécies que vivem de fato em sociedade não é muito grande. O que normalmente acontece é que quando os filhos chegam a fase adulta (ou conseguem se virar por conta própria) eles simplesmente vão em bora cuidar de suas próprias vidas, não ficam em casa para ajudar a mãe a criar mais filhos. 

Segundo: afinal, porque ficariam ? Como já falamos na publicação “Formigas - Porque as Operárias cuidam da Rainha ?”, a seleção natural da prioridade para os seres vivos que se reproduzem mais, ou seja, que passam mais os seus genes a diante. Como os filhos vão se reproduzir e passar seus genes a diante, se ficarem em casa cuidando dos seus irmãos ? Simplesmente eles não vão conseguir fazer isso. 

Mas então por qual motivo os filhotes de uma vespa solitária, ficariam no ninho ajudando sua mãe a criar mais irmãos ? Existem dois fortes motivos que levam eles a tomarem essa decisão. 


Ficando em casa pra ajudar 

Primeiro Motivo: construção do ninho 
Como falamos anteriormente, escolher um local adequado, construir um ninho, proteger o ninho e cuidar dos filhos, tudo isso completamente sozinha, é muito, MUITO difícil. Seria bem mais fácil e seguro ficar em casa cuidando de um ninho que já existe do que sair e construir um totalmente do zero.
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Vespa e o seu ninho recém construído 
Foto de CJ

Nesse caso específico, quem toma essa decisão de ficar em casa são os filhos do sexo feminino, ou seja, as fêmeas. Nas vespas (e na maioria dos animais) a árdua tarefa de criar os filhos cai sobre as fêmeas (coitadas), os machos apenas procuram uma fêmea, acasalam e pronto, eles não participam dos cuidados com os filhotes. Portanto, toda a ajuda que a mãe passa a receber vem de suas filhas, não dos filhos. 

Segundo Motivo: os seres vivos não precisam criar só seus próprios filhos para passar seus genes adiante 
Eu já falei isso na publicação “Formigas - Porque as Operárias cuidam da Rainha ?”, mas vamos repetir. Os parentes próximos (os irmãos, primos, sobrinhos, etc.) também tem muitos genes em comum, e isso significa que é possível propagar os genes indiretamente ajudando a criar os parentes ao em vez dos próprios filhos. As vespas utilizam a Haplodiploidia para determinar o sexo, e nesse sistema a mãe tem apenas 50% de genes compartilhados com suas filhas, já as irmãs tem 75% de genes compartilhados entre elas. Isso significa dizer que as irmãs são mais próximas geneticamente entre sí do que são com a sua própria mãe. 

Se as filhas resolvessem sair de casa e por muita força de vontade conseguissem construir o seu próprio ninho e ter seus próprios filhos, elas iriam conseguir compartilhar apenas 50% dos seus genes a diante. Cerca de 50% de genes seriam compartilhados com os filhos e 25% desses mesmos genes seriam compartilhados com os netos. 

Agora, se a filha (a primeira filha, aquela que nasceu dos primeiros ovos postos pela mãe) depois de ficar adulta, resolver ficar no ninho e ajudar sua mãe a produzir novas irmãs, ela iria conseguir compartilhar cerca de 75% dos seus genes a diante indiretamente através da mãe. Se uma dessas irmãs que ela (a primeira filha) ajudou a criar, sair de casa e conseguir construir o seu próprio ninho e ter seus próprios filhos, as filhas dessa irmã (que serão sobrinhas da primeira filha) vão compartilhar cerca de 37,5% de genes com ela (a primeira filha). 

As filhas, indiretamente, propagam mais genes para as futuras gerações criando suas irmãs do que tendo suas próprias filhas. Logo, portanto, é EXTREMAMENTE VANTAJOSO para as filhas ficar em casa e ajudar sua mãe a criar mais filhas. Se todas as filhas se juntarem para criar mais irmãs, elas vão conseguir propagar uma quantidade enorme de genes para as futuras gerações, muito mais genes do que elas conseguiriam se reproduzissem sozinhas, cada uma vivendo no seu canto (é por isso que em formigas, abelhas e vespas, as sociedades são majoritariamente compostas de indivíduos fêmeas). 

Só que, infelizmente, nem tudo é um mar de rosas. Existe alguns pontos negativos ao ficar em casa pra ajudar 

Problemas de ficar em casa pra ajudar 
A partir do momento que as filhas ficam em casa e ajudam a criar suas irmãs, elas passam a viver em sociedade, e para se viver em uma sociedade os indivíduos precisam estar organizados de forma cooperativa. Para se organizarem de forma cooperativa, os indivíduos precisam estabelecer uma hierarquia (ou seja, é preciso definir quem manda e quem obedece), e é aqui que mora o problema. 

Em uma hierarquia, quem está no comando dita as regras e estabelece a ordem, quem é subordinado fica submisso e obedece às regras. Na sociedade dos insetos sociais, quem está no comando recebe o nome de Rainha, e quem é subordinado recebe o nome de operária (na verdade não é beeeeeeem assim, mais pra frente eu volto a explicar essa questão de rainha e operária, mas no momento vamos continuar com esse raciocínio). 

Nesse nosso exemplo, a vespa solitária que construiu o ninho inicial e conseguiu cuidar dos filhos totalmente sozinha, é a rainha, e as filhas que nasceram e resolveram ficar em casa, são as operárias. A rainha fica responsável por ficar no ninho e colocar mais ovos. Já as operárias ficam encarregadas de proteger o ninho, buscar comida e cuidar dos irmãos e irmãs (sejam eles em estágio de ovo, larvas ou pupas). 
Operárias do gênero Ropalidia vigiando os filhotes no ninho 
Foto de Sophia Nel

A rainha sai ganhando porque recebe ajuda para criar mais filhos, e as operárias saem ganhando porque conseguem passar mais genes a diante. 

Então esse é um sistema justo onde todo mundo sai ganhando ? COM CERTEZA NÃO. 

Uma das regras que as rainhas estabelecem é que só elas podem botar ovos, as operárias ficam proibidas de botar seus próprios ovos. Qual é o problema disso ? O grau de parentesco que ocorre entre irmãs é de 75%, logo concluímos que é EXTREMAMENTE vantajoso para as operarias ajudarem a mãe a criar mais irmãs. Agora, o grau de parentesco que ocorre entre irmã e irmão é diferente. 

O grau de parentesco que ocorre entre um irmão e uma irmã é de apenas 25%. Juntando com o fato de que o grau de parentesco entre pais e filhos é de 50%, chegamos à seguinte conclusão: uma operária transmite muito mais genes botando ovos e criando seus próprios filhos (filhos MACHOS) do que ajudando a criar seus irmãos (os filhos MACHOS da rainha). Portanto, não é vantajoso para as operárias ajudar sua mãe (a rainha) a cuidar dos seus irmãos. 

A rainha tem vantagem quando consegue criar filhos e filhas, já as operárias tem vantagem apenas quando conseguem criar seus próprios filhos e criar suas irmãs. Como os objetivos da rainha não são iguais aos objetivos das operárias, um conflito de poder se estabelece entre elas. A rainha passa a fazer um policiamento constante com relação as operárias. Quando as operárias tentam botar seus próprios ovos para gerar filhotes machos, a rainha interfere no processo, comendo os ovos ou batendo nas próprias filhas. 

Não sei se você sabe, mas quase todos os animais tem personalidade, e portanto, são capazes de tomar suas próprias decisões. Algumas operárias (geralmente as mais gentis, doces, amigáveis, etc.) respeitam a autoridade da rainha e jamais colocam seus próprios ovos. 

Agora existem operárias que simplesmente não aceitam isso (as mais rebeldes, agressivas, etc.). Essas operárias tem algumas opções possíveis para driblar o problema, como por exemplo: 

(1) - Ir em bora e formar sua própria sociedade, se tornando a rainha dela. 
(2) - Ficar em casa, esperar a mãe morrer e ficar no lugar dela como rainha. 
(3) - Ficar em casa, se juntar com suas irmãs e matar a rainha. Posteriormente lutar com as irmãs para conseguir ficar no cargo de rainha. 

Todos esses conflitos já foram vistos em espécies do gênero Polistes. 
Vespa do gênero Polistes 
Foto de kie-ker
Todos esses conflitos só existem porque as operárias possuem a capacidade de botar seus próprios ovos, mas e se as operárias perdessem essa capacidade ? 


A Eussocialidade 

Até o momento, toda essa nossa conversa estava focada no comportamento reprodutivo das vespas (o que é óbvio, já que para entender o comportamento atual das formigas, é preciso entender como funciona o comportamento dos seus ancestrais, as vespas), mas quando é que isso vai mudar ? Quando é que vamos passar a falar de formigas ? 

Pois bem, para podermos falar sobre formigas, precisamos saber primeiro quando foi que elas de fato surgiram na história, e as formigas (as formas atuais que conhecemos hoje em dia) só surgiram na história quando a Eussocialidade foi finalmente estabelecida. Mas o que é a Eussocialidade ? 

A Eussocialidade nada mais é que um tipo de sistema social que ocorre dentro das sociedades do tipo colônia. Nas sociedades do tipo colônia existem vários tipos de sistemas sociais, e a Eussocialidade é o mais avançado e complexo deles. Vespas, abelhas, formigas (insetos da ordem Hymenoptera) e cupins (ordem Blattodea, infraordem Isoptera), são os insetos mais conhecidos por viver nesse sistema, porém existem várias outras espécies que também vivem dentro desse mesmo sistema de Eussocialidade. 

Podemos citar aqui insetos como o besouro Austroplatypus incompertus (ordem Coleoptera), o afídeo Pemphigus spyrothecae (ordem Hemiptera), e os Tripes do gênero Kladothrips (ordem Thysanoptera ). 
Colônia do afídeo Pemphigus spyrothecae 
Foto retirada do site “influentialpoints.com

Além de insetos, também existem crustáceos eussociais como os do gênero Synalpheus e mamíferos como o Rato Toupeira Pelado (Heterocephalus glaber) e o Rato Topeira de Damaraland (Fukomys damarensis).
Crustáceo do gênero Synalpheus 
Foto de Arthur Anker 


Colônia de Ratos Toupeira Pelados (Heterocephalus glaber) 
Fotos retiradas do site “www.arkive.org
 


Colônia do Rato Topeira de Damaraland (Fukomys damarensis) 
Foto retirada do site “ainawgsd.tumblr.com” 


Rato Topeira de Damaraland (Fukomys damarensis) 
Foto retirada do site “www.arkive.org

Os insetos sociais que possuem esse tipo de sistema (os chamados insetos eussociais) são considerados como tendo o modo de vida mais complexo entre os insetos (entre os insetos e todos os outros animais na verdade). Mas afinal de contas, o que é preciso para ser considerado um inseto eussocial ? Para serem considerados insetos eussociais, as sociedades do tipo colônia precisam apresentar 3 características fundamentais: 

(1) - Indivíduos de uma mesma espécie precisam cooperar para cuidar dos filhotes. 
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Colônia de Myrmecia gulosa 
Com exceção dos machos, todos dentro da colônia cuidam dos filhotes em algum momento 
Ilustração retirada do livro “Sociobiology: The New Synthesis - Edward Osborne Wilson” 


(2) - Precisa existir uma divisão com relação a reprodução e ao trabalho dentro da sociedade (formação de castas), com os indivíduos mais ou menos estéreis (as operárias) trabalhando em função dos companheiros de ninho fecundos (a rainha).
Colônia de Bombus lapidarius 
A rainha está deitada sobre o aglomerado de casulos, enquanto as operárias seguem fazendo os trabalhos da colônia 
Ilustração retirada do livro “Sociobiology: The New Synthesis - Edward Osborne Wilson” 

 
(3) - Tem que ocorrer uma sobreposição de pelo menos duas gerações dentro da sociedade, de modo que a prole (os filhos, as operárias) possa ajudar a mãe (a rainha) durante algum período de suas vidas dentro da colônia. 
Colônia de cupins Amitermes hastatus 
Enquanto as operárias vivem por no máximo alguns meses, as rainhas podem viver por vários anos, então várias gerações diferentes tem contato com a mesma rainha 
Ilustração retirada do livro “Sociobiology: The New Synthesis - Edward Osborne Wilson” 


A Eussocialidade não surgiu do nada dentro das sociedades do tipo colônia, alguns passos anteriores precisaram ser estabelecidos primeiro para que ela surgisse. Que passos foram esses ? 


A Evolução da Eussocialidade 

Quando falo de passos, eu estou me referindo aos tipos de sistema sociais que surgiram antes da Eussocialidade, ou seja, o conjunto de sistemas sociais que foram responsáveis por dar origem a Eussocialidade. 

O conjunto desses sistemas sociais que foram responsáveis por dar origem a Eussocialidade, recebem o nome de Rota Subsocial. Os pesquisadores acreditam que a vespa ancestral que deu origem as formigas, acabou seguindo a Rota Subsocial ao longo de todo o percurso de sua evolução até chegar a Eussocialidade. 

Blz Matheus, mas quais são os sistemas sociais que compõem essa tal Rota Subsocial ? Existem 4 sistemas sociais que compõem a Rota Subsocial: o sistema Solitário, Subsocial Primitivo, Subsocial Intermediário 1 e Subsocial Intermediário 2. 

Rota Subsocial - Solitário 
Primeiros surgiram os organismos solitários, só depois vieram os sociais, então é por isso que “Solitário” é considerado como o primeiro sistema que surgiu na Rota Subsocial. 

As fêmeas que seguem esse sistema não cuidam do ninho, muito menos das larvas ou pupas. A única preocupação delas é com relação aos ovos. 

Normalmente elas saem a procura de um local adequado para construir um ninho. Depois que esse ninho está pronto elas vão em busca de comida (mas não pra ela, e sim para os ovos). Depois que a fêmea captura alguma coisa (como a larva de um besouro, uma lagarta, aranha, etc.) ela retorna ao ninho e começa com o trabalho de estocagem. Quando o ninho tem uma quantidade de comida que a fêmea julga como sendo suficiente, ela bota um ovo (ou vários ovos), fecha a entrada do ninho para que ninguém entre e vai embora, abandonando o ninho a sua própria sorte. 

Várias espécies de vespa atualmente vivem nesse tipo de sistema solitário, um exemplo são as vespas do gênero Ammophila.
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Vespa Ammophila capturando uma lagarta 
Foto de Vengolis


Rota Subsocial - Subsocial Primitivo 
O segundo sistema social que surgiu é o Subsocial Primitivo, e sua diferença para o sistema Solitário é por conta dos cuidados que são oferecidos as larvas e pupas. 

Nesse sistema a fêmea constrói um ninho e permanece nele cuidando das larvas e pupas, mas ela vai embora antes que os filhotes se tornem adultos. 

Nesse caso aqui eu não consegui encontrar uma espécie pra servir como exemplo. 


Rota Subsocial - Subsocial Intermediário 1 
O terceiro sistema social que surgiu é o Subsocial Intermediário 1, e sua diferença para o sistema Subsocial Primitivo é por conta da decisão da mãe de ficar no ninho e também estimular suas filhas a ficarem também. 

Nesse sistema a fêmea constrói um ninho, cuida das larvas e pupas e permanece nele até que seus filhos se tornem adultos. Mesmo depois que os filhos tenham emergido como adultos, ela não vai embora, ela fica e tenta estimular seus filhos a ficarem também. Os filhos (as filhas, especificamente falando) ficam cuidando do ninho por um determinado período, mas depois de um tempo normalmente elas acabam indo embora para construir seus próprios ninhos. 

Várias espécies de vespa atualmente vivem nesse tipo de sistema. Na espécie Parischnogaster mellyi as filhas ficam em casa pra ajudar, porém vão embora depois de cerca de 20 dias. 
Vespa Parischnogaster mellyi 
Foto de David Baracchi


Rota Subsocial - Subsocial Intermediário 2 
O quarto sistema social que surgiu é o Subsocial Intermediário 2, e sua diferença para o sistema Subsocial Intermediário 1 é por conta da decisão das filhas de ficarem no ninho definitivamente. 

Esse sistema social é último antes da Eussocialidade e por conta disso passa a surgir algumas semelhanças entre os dois. Nesse sistema a mãe e as filhas passam a se organizar de uma forma muito rígida, com ambas assumindo diferentes papeis dentro do ninho. As filhas passam a se comportar como operárias (preste muita atenção nisso, elas se “comportam” como operárias, mas elas não são operárias de fato). Elas ficam totalmente responsáveis pelos afazeres do ninho (procurar comida, alimentar as larvas, proteger o ninho, aumentar o ninho, etc.). Já a mãe passa a se comportar como rainha, e fica responsável pela parte reprodutiva da colônia, botando os ovos. 

No sistema Subsocial Intermediário 2 não existem diferenças morfológicas, anatômicas ou fisiológicas entre “rainha” e “operárias”. As filhas possuem ovários funcionais, e, portanto, podem botar ovos assim como a mãe, mas não o fazem (na maioria das vezes) por conta do forte policiamento exercido pela mãe. 

É no sistema Subsocial Intermediário 2 que fica mais evidente o conflito de poder entre “rainhas” e “operárias” que eu mencionei anteriormente. No sistema Subsocial Intermediário 1 as filhas não aceitam o policiamento constante da mãe e vão embora assim que possível, já no sistema Subsocial Intermediário 2 as filhas permitem e coexistem com o policiamento da rainha, porém utilizam várias estratégias para poder conviver com ele. 

As vespas mais conhecidas por viverem no Subsocial Intermediário 2 pertencem ao gênero Polistes.
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Colônia de Polistes exclamans 
Foto de Davefoc 

Bom, para concluir ... 

Sistema Solitário, Subsocial Primitivo, Subsocial Intermediário 1 e Subsocial Intermediário 2, esses são o conjunto desses sistemas sociais que foram responsáveis por dar origem a Eussocialidade, mas o que foi preciso para a Eussocialidade finalmente surgir ? 


O Surgimento da Eussocialidade 

Nós já discutimos o que é a Eussocialidade e o que um inseto precisa ter para fazer parte dela. A Rota Subsocial possui apenas duas das características fundamentais da Eussocialidade, que são: 

(1) - Indivíduos de uma mesma espécie precisam cooperar para cuidar dos filhotes. 
(3) - Tem que ocorrer uma sobreposição de pelo menos duas gerações dentro da sociedade, de modo que a prole (os filhos, as operárias) possa ajudar a mãe (a rainha) durante algum período de suas vidas dentro da colônia. 
A Eussocialidade só surge na história quando esse item aqui fica estabelecido: 

(2) - Precisa existir uma divisão com relação a reprodução e ao trabalho dentro da sociedade, com os indivíduos mais ou menos estéreis (as operárias) trabalhando em função dos companheiros de ninho fecundos (a rainha). 

A formação de castas é um passo fundamental para o surgimento da Eussocialidade, pois é só a partir dele que os papeis de “Rainha” e “Operária” são realmente estabelecidos. Quando os papeis se estabelecem, mãe e filhas passam a apresentar diferenças na morfologia, anatomia, fisiologia, etc. e é JUSTAMENTE AQUI que as formigas FINALMENTE surgem na história. Quase todas as formigas apresentam a formação de castas, e a imensa maioria delas possuem diferenças bem grandes com relação as operárias e rainha. 

Que diferenças são essas ? Nós veremos isso na próxima publicação, essa aqui "Formigas - Rainhas, Machos e a Fundação da Colônia". 


Observação 
A Rota Subsocial foi o caminho seguido por formigas, vespas e apenas algumas espécies de abelhas para chegar a Eussocialidade. Já a maior parte das espécies de abelhas seguiu a rota que chamamos de Parasocial para chegar a Eussocialidade. Na rota Parasocial, quem ajuda a mãe solitária (que também é uma vespa primitiva) a cuidar dos filhos são outras mães solitárias, e não as próprias filhas como no caso da Rota Subsocial. Vou colocar um resumo da Rota Parasocial aqui pra vocês. 

Rota Parasocial - Solitário 
Nenhum tipo de comportamento social, as fêmeas constroem seus ninhos sozinhas. Várias espécies de vespa atualmente vivem nesse tipo de sistema solitário, um exemplo é a Sphex ichneumoneus. 
Vespa Sphex ichneumoneus arrastando uma Esperança (Neoconocephalus sp.) para o seu ninho 
Foto de Stephen cresswell, retirada do site “www.americaninsects.net 


Rota Parasocial - Pré Social 
Qualquer grau de comportamento social, mas com falta de Eussocialidade. Um exemplo seria o comportamento de agregação, onde as fêmeas constroem ninhos em um mesmo local, mas não apresentam nenhum tipo de cooperação. Várias espécies de vespa atualmente vivem nesse tipo de sistema, um exemplo é Nomia melanderi. 
Ilustração mostrando os ninhos da Vespa Nomia melanderi 
Os ninhos são feitos no solo, todos agregados na mesma área, porem sem conexão 
Ilustração de Art Cushman, retirada do site “eol.org” 


Rota Parasocial - Comunitário 
Adultos pertencentes à mesma geração se ajudam (cooperam) em graus variados. Por exemplo, as fêmeas cooperam para a construção de um só ninho, mas cada uma cria a sua ninhada separadamente. Várias espécies de vespa atualmente vivem nesse tipo de sistema, um exemplo são as vespas do gênero Montezumia. 
Ninho da vespa Montezumia 
Parque da Onça Parda, São Miguel Arcanjo, São Paulo, Brasil 
Foto de João P. Burini 

Vespas Montezumia dimidiata 
Nouragues, Guiana Francesa 
Foto de Sean McCann

Rota Parasocial - Quase-Socialidade 
As fêmeas cooperam para a construção de um só ninho e também cooperam para cuidar das crias (ou seja, os filhotes recebem cuidados de todas as fêmeas). Na Quase-socialidade, todas as fêmeas botam ovos pelo menos em algum momento. Várias espécies de vespa atualmente vivem nesse tipo de sistema, um exemplo são as vespas do gênero Polybia.
Colônia de vespas Polybia emaciata 
Totogalpa, Nicaragua 
Foto de cmtercero, retirada do site “www.inaturalist.org
 


Rota Parasocial - Semi-Socialidade 
As fêmeas cooperam para a construção de um só ninho e também cooperam para cuidar das crias, mas nesse caso existe uma divisão reprodutiva de trabalho (divisão feita por meio do uso da força bruta). Depois da construção do ninho as fêmeas mais fortes subjugam e dominam as fêmeas mais fracas e passam a se comportar como rainhas (vivem apenas para botar ovos). As fêmeas que foram dominadas passam a se comportar como operárias e vivem para cuidar das rainhas e seus ovos. Essas fêmeas que se comportam como operárias raramente ou quase nunca botam seus próprios ovos. 

Também existem outras características que definem a Semi-socialidade: 

(1) - Nas colônias semi-sociais as fêmeas que cooperam geralmente são parentes (frequentemente são irmãs). 
(2) - Se as colônias semi-sociais persistirem no tempo, a colônia pode passar a ser composta de operárias irmãs da fêmea dominante e operárias filhas da fêmea dominante. 
(3) - Não existem diferenças morfológicas entre operárias e rainhas (ou seja, não existem castas). 

Várias espécies de vespa atualmente vivem nesse tipo de sistema, um exemplo são as vespas da espécie Ropalidia cyathiformis.
Colônia da vespa Ropalidia cyathiformis 
Foto de Thresiamma Varghese, retirada do site “www.iisc.ac.in” 

Quando as colônias semi-sociais passam a ter um sistema de castas e as colônias persistem tempo suficiente para que os membros de duas ou mais gerações se sobreponham e cooperem, a Eussocialidade é formada. 

Pelo menos no caso das vespas primitivas, fica claro que existiram duas possíveis rotas para se chegar a Eussocialidade (a rota Subsocial e a rota Parasocial). 

Como eu já mostrei pra vocês, existem vários tipos organismos que são eussociais, então a Eussocialidade deve ter evoluído de diferentes maneiras em cada um deles. Só pra vocês pensarem: a sociedade dos cupins é formada por machos e fêmeas, ou seja, tanto os machos como as fêmeas ajudam na manutenção do ninho. Além disso, diferente dos filhotes de vespas, abelhas e formigas, os filhotes de cupins conseguem se alimentar sozinhos depois que nascem. Como foi que a Eussocialidade evoluiu no caso deles ? Não faço a menor ideia. 

Essa publicação faz parte do guia “Criação de Formigas - O que eu preciso saber ?”. Todas as referências utilizadas aqui vão estar listadas lá no guia.

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