Diferenças entre Coelhos, Roedores, Cavalos e Vacas

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Coelho da raça Lionhead e Cavalo da raça Gypsy Vanner
Fotos retiradas do site “animalcorner.org” e “wallpapercave.com


Nessa publicação vamos falar sobre os seguintes assuntos:


(1) Digestão de feno (como acontece e onde)

(2) Diferenças entre animais poligástricos (vacas, cervos, camelos, etc.) e monogástricos (coelhos, roedores, cavalos, etc.)

(3) Feno/Capins mais recomendados para coelhos, roedores e cavalos

(4) Como fazer seu próprio feno em casa

(5) Formação de cecotrofos em coelhos e porquinhos da índia

(6) Diferenças alimentares entre coelhos e porquinhos da índia

Pra falar sobre tudo isso, eu preciso voltar ao início, e quando eu falo ao início, é o início MESMO. Vou explicar tudo de uma maneira EXTREMAMENTE SIMPLIFICADA, tudo bem ? Vamos deixar a linguagem técnica (chata) para os Biólogos, Ecólogos e Veterinários, aqui a conversa vai ser mais tranquila. Vamos começar falando sobre a digestão do feno.

Digestão do Feno

O feno é um material de origem vegetal, e os vegetais são compostos por células. As células vegetais, diferente das células animais, produzem uma substância chamada de "celulose". A celulose recobre a parede da célula e protege o seu interior. Pra digerir a célula vegetal, primeiro a gente precisar quebrar essa parede de celulose, pra só depois digerir o seu interior que tem os nutrientes. A própria celulose também é um nutriente, pois ela é feita de um tipo especial de açúcar (por isso os animais conseguem engordar apenas comendo folhas).
Ilustração de uma Célula animal
 Reparem que ela possui apenas uma membrana "molenga"
 Ilustração retirada do site “science.howstuffworks.com


Ilustração de uma Célula Vegetal
 Reparem na parede celular, rígida e firme
 Ilustração retirada do site “science.howstuffworks.com


Pra digerir a celulose, o estômago precisa produzir uma enzima especial chamada de “celulase”. É ela que é responsável por quebrar essa parede durante a digestão. Qual o problema disso ? Nenhum animal produz essa enzima celulase, nem mesmo os herbívoros. Se os animais não produzem essa celulase, como eles conseguem quebrar a celulose e digerir a célula vegetal ? Simples, eles não conseguem. Sabe quando você come alface e milho e eles permanecem inteirinhos lá no seu coco ? É por conta disso.

Apenas microrganismos (bactérias, fungos, protistas, etc.) são capazes de produzir a celulase e quebrar a parede vegetal. Os microrganismos fazem essa quebra no processo conhecido como “fermentação”. O que os animais fazem é armazenar esses microrganismos no próprio corpo, para que a fermentação ocorra no seu sistema digestivo. Os microrganismos digerem a célula vegetal no processo de fermentação, e os animais absorvem os nutrientes resultantes desse processo. Esse tipo de relação onde cada um ganha uma coisa se chama “Mutualismo”. Nesse mutualismo os microrganismos ganham um local seguro para viver (dentro dos animais, passando a serem chamados de “flora intestinal” ou “microbiota ruminal”), e os animais conseguem obter nutrientes se alimentando apenas de materiais de origem vegetal (esses são os animais herbívoros).

Os animais podem ser divididos em duas categorias. Os que armazenam esses microrganismos no estômago, onde o processo de fermentação ocorre principalmente no estômago (Animais Poligástricos), e os que armazenam no intestino, onde o processo de fermentação ocorre totalmente no intestino (Animais Monogástricos).

PS 1 - esse mutualismo que ocorre entre animais e microrganismos não pode quebrado/desfeito, por isso os animais herbívoros NUNCA podem ser alimentados apenas com ração, eles precisam comer capim/feno (o capim/feno deve compor a maior parte da dieta desses animais).  

PS 2 – não se esqueça que estou simplificando MUUUUUUITA COISA aqui viu ? Tudo isso é SUPER HIPER MEGA mais complexo.

Animais Poligástricos

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Antílope Saiga (Saiga tatarica)
Ásia
Foto retirada do site "
www.reddit.com"


Pra fazer a fermentação da fibra vegetal (ou seja, digerir folhas, caules, etc.) é necessário um número muito grande de microrganismos (cerca de 50 BILHÕES de bactérias e até 1 milhão de protistas). É preciso ter um local especializado pra abrigar tantos microrganismos. O estômago dos animais poligástricos é muito grande e dividido em vários compartimentos especializados, cada um com um papel diferente no processo de fermentação.
Ilustração mostrando o estômago de um animal poligástrico
 Ilustração de Pearson Scott Foresman

Além de ter o estômago dividido em vários compartimentos, os animais poligástricos também fazem uma coisa muito “estranha”. Eles mastigam, engolem a fibra vegetal, e depois regurgitam ela, para que possa ser mastigada de novo. Esse processo de mastigar, engolir, regurgitar e mastigar de novo é chamado de “ruminação”, e os animais que fazem isso são chamados de “ruminantes”. A palavra "ruminante" vem do latim “ruminare”, que significa "mastigar de novo".
Ilustração mostrando o processo de ruminação em uma vaca leiteira
Ilustração de Addson Wesley Longman, retirada do site “www.mun.ca


Existem mais de 200 espécies de animais ruminantes, e a maioria pertence a subordem “Ruminantia” (os animais Ungulados que possuem cascos/dedos em par). Dentro dessa subordem, estão 5 famílias diferentes:

(1) Tragulidae (família dos Trágulos)
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Trágulo (Tragulus kanchil)
Cingapura, Malasia
Foto de Uspn (Bjørn Christian Tørrissen)


(2) Giraffidae (família das Girafas)
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Okapi (Okapia johnstoni), um parente da Girafa
Foto de Daniel Jolivet


(3) Antilocapridae (família da Antilocapra)
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Antilocapra (Antilocapra americana) 
Cabin Lake Road, Fort Rock, Oregon, Estados Unidos 



(4) Moschidae (família do Cervo Almiscarado)
Cervo Almiscarado (Moschus moschiferus)
Apesar do nome, ele não é um cervo verdadeiro
Foto de Николай Усик



(5) Cervidae (família dos Cervos e Veados)
Veado Campeiro (Ozotoceros bezoarticus)
 Parque Nacional das Emas, Goiás, Brasil
Foto de Alexandre Camargo Coutinho, retirada do “Mapeamento do Uso e Cobertura da Terra do Cerrado Projeto TerraClass Cerrado 2013



(6) Bovidae (família do Bisão, Búfalo, Antílope, Ovelha, Cabra, Bois e Vacas)
Takin (Budorcas taxicolor), um primo das cabras 
 Foto de Eric Kilby


Além desses animais, as seguintes famílias também fazem o processo de ruminação, são elas:

(1) Hipopotamidae (família dos Hipopótamos)
Hipopótamo Pigmeu (Hexaprotodon liberiensis)
Foto de Chuckupd


(2) Camelidae (família dos Camelos, Alpacas, Lhamas, Vicunhas e Guanacos)
Vicunha (Vicugna vicugna)
Peru
Foto de Marshallhenrie


(3) Tayassuidae (família do Cateto e Queixada)
Queixada (Tayassu pecari)
Brasil
Foto de Ana_Cotta


(4) Macropodidae (família dos Cangurus e outros marsupiais)
Canguru Arborícola (Dendrolagus goodfellowi)
Austrália
Foto de Tim Williams



Vantagens dos Animais Poligástricos

Alta capacidade de digestão

Esse hábito de ficar mastigando a comida toda hora ajuda MUITO no processo de digestão.

Depois que a fibra é mastigada e engolida, ela é fermentada no estômago por um período, e depois de um tempo ela é regurgitada e mastigada de novo. Só depois de ser engolida e fermentada novamente, que ela vai poder ser digerida no estômago (agora em tamanhos bem menores). Os animais poligástricos conseguem obter muitos nutrientes fazendo isso. Quanto mais os animais ruminarem, mais quebrada a fibra fica, e mais fácil ela fica de ser fermentada e digerida.

Os animais poligástricos podem ficar de 4 até 8 HORAS nesse processo de ruminação, então por conta disso seus dentes nunca param de crescer, exatamente como acontece com Lagomorfos (coelhos) e Roedores. O tempo de ruminação é dividido em várias sessões individuais ao longo do dia, com cada sessão durando de alguns minutos a mais de 1 hora. Um bolo alimentar pode ser mastigado por 30 a 70 segundos antes de ser engolido e regurgitado novamente. No total, o tempo entre a ingestão da fibra e a sua eliminação (na forma de fezes) pode levar de 2 a 4 dias.

Essa alta capacidade de extrair nutrientes dos alimentos dá aos ruminantes uma vantagem enorme. Eles conseguem sobreviver em ambientes onde a quantidade de comida é severamente limitada. É justamente por isso que os ruminantes são os herbívoros mais comuns vivendo na região do ártico e em desertos (lugares onde a comida é escassa). Como eles conseguem obter o máximo de nutrientes da comida, podem sobreviver comendo menos coisas.
Oryx Árabe (Oryx leucoryx)
Deserto de Dubai, Emirados Árabes Unidos
Foto de Charles J. Sharp



Menor tempo de pastejo

Ficar com a cabeça abaixada comendo capim pode ser perigoso (afinal, nunca se sabe quando um predador vai atacar), mas os ruminantes não precisam se preocupar com isso. Eles podem pastar por um curto intervalo de tempo (engolindo o máximo de capim que conseguir), e depois se retirar para um local mais seguro para ruminar.
Gnu de Cauda Branca (Connochaetes gnou)
Foto de Vassil



Resistência a infecções

A fermentação seguida da digestão, ajuda a neutralizar ou até mesmo destruir as toxinas produzidas pelas plantas, ou algum tipo de contaminação que possa vir com elas. É justamente por isso que vacas podem ser alimentadas com feno mais velho sem muitos problemas (o risco de ficarem doentes por conta da alimentação é baixo).
Gnu de Cauda Branca (Connochaetes gnou)
Mountain Zebra NP, Eastern Cape, África do Sul
 Foto de Bernard DUPONT



Desvantagem dos Animais Poligástricos

Capacidade limitada de processamento

Por mais eficiente que seja o processo de fermentação, a fibra vegetal é pobre em nutrientes, e é preciso consumir muita fibra ao longo do dia pra conseguir uma nutrição satisfatória. Os animais poligástricos não conseguem ficar o dia todo pastando para obter uma quantidade adequada de fibras, eles precisam parar a cada intervalo de tempo para poder ruminar e digerir. O que eles fazem geralmente é comer grandes quantidades de fibras de uma vez só (em um curto intervalo de tempo), e depois passam o tempo restante ruminando o que comeram.

Como geralmente eles dependem de uma única alimentação principal, e o tempo para processar tudo isso é muito longo, chegamos à seguinte conclusão: ruminantes precisam ingerir alimentos com uma maior qualidade para conseguir sobreviver. Alimentos de baixa qualidade (que seriam aqueles mais fibrosos, duros) são muito prejudiciais. Quanto mais fibrosa for a vegetação, mais eles precisam comer, e mais tempo precisam passar ruminando para obter alguma nutrição satisfatória. Às vezes pode acontecer do animal estar com o estômago cheio, mas como leva muito tempo para digerir as fibras, o animal vai ficando sem energia e acaba morrendo por inanição.


Animais Monogástricos

Cavalo da raça Gypsy Vanner
Foto retirada do blog “bytesdaily.blogspot.com


Diferente dos animais poligástricos, os animais monogástricos não ruminam e possuem apenas 1 compartimento simples no estômago (no máximo 2). A maior parte dos animais (Aves, Anfíbios, Insetos, Mamíferos, Répteis, Peixes, etc.) estão nessa categoria.

O processo de fermentação dos monogástricos ocorre totalmente no intestino, porém na maioria das espécies o processo é “simples” e o intestino tem um comprimento proporcional ao tamanho do corpo (ou seja, não é muito grande e nem muito pequeno). Já nos monogástricos especializados em comer fibra vegetal (os animais monogástricos herbívoros) o processo de digestão é complexo, e o intestino tem um tamanho gigantesco.

Os monogástricos herbívoros mais especializados em comer alimentos vegetais pertencem a ordem “Perissodactyla” (os animais Ungulados que possuem cascos/dedos ímpares). Dentro dessa ordem, estão 3 famílias diferentes:

(1) Equidae (família dos Cavalos, Jumentos e Zebras)
Zebra de Grevy (Equus grevyi)
Quênia
Foto de Daniel Fafard


(2) Rhinocerotidae (família dos Rinocerontes)
Rinoceronte de Sumatra (Dicerorhinus sumatrensis)
 Foto de Ltshears


(3) Tapiridae (família das Antas)
Anta Malaia (Tapirus indicus)
 Foto de Rufus46


Além desses animais, outros grupos também fazem o mesmo processo:


(1) Leporidae (família dos Coelhos e Lebres)
Lebre Ártica (Lepus arcticus)
Rankin Inlet, Nunavut, Canadá
Foto de Steve Sayles


(2) Caviomorpha (infra ordem dos Porquinhos da Índia, Capivaras, Pacas, etc.)
Mara (Dolichotis patagonum)
É parente do Porquinho da Índia, mas lembra mesmo é uma lebre
 Foto de Snowmanradio


(3) Proboscidea (família dos Elefantes)
Elefantes da floresta (Loxodonta cyclotis)
Pântano Mbeli Bai, Parque Nacional Nouabalé-Ndoki, Congo
 Foto de Thomas Breuer



(4) Phascolarctidae (família dos Koalas)
Koala (Phascolarctos cinereus)
 Foto de Benjamint444


A espécie humana não é especializada em comer vegetais (ela é onívora), portanto o processo de digestão é mais “simples” e o tamanho do intestino varia de 7 a 9 metros. Já um cavalo é um animal especializado em comer vegetais, tem um processo complexo de digestão, e o seu intestino pode ter um comprimento de mais de 30 metros.

O processo de fermentação dos animais monogástricos herbívoros possui as seguintes vantagens e desvantagens.

Vantagens dos Animais Monogástricos

Alta Capacidade de processamento

O intestino dos animais monogástricos herbívoros é simplesmente gigantesco em comparação com o intestino de outros animais. Ele possui uma alta capacidade de armazenamento, bem maior que a capacidade de armazenamento do estômago dos animais poligástricos. Pesquisas feitas em esquilos e coelhos mostram que esses animais possuem um intestino até 13 vezes maior que o comprimento de seu próprio corpo. A capacidade de armazenamento do intestino do coelho é 10 vezes maior que a do seu próprio estômago.

Essa capacidade enorme de armazenamento e o fato de não precisarem parar para ruminar, significa que os monogástricos herbívoros não precisam comer grandes quantidades de fibra de uma vez só, como fazem os poligástricos. Eles podem passar o dia comendo apenas pequenas quantidades de cada vez. Como eles estão o tempo inteiro comendo, eles conseguem ingerir uma grande quantidade de fibras no final do dia, e com isso acabam compensando a sua pobreza nutricional. Eles são maquinas de processar alimentos, em cavalos tudo o que eles comem já viram fezes num intervalo de 30 a 45 horas. Bem diferente de animais poligástricos como vacas, que levam até 4 dias para processar tudo.

OBS - É justamente por isso que devemos SEMPRE manter comida nos alojamentos dos coelhos, porquinhos da índia, cavalos, etc. Esses animais foram feitos para comer o tempo inteiro, priva-los de comida por uma parte do dia pode ter consequências negativas para a saúde a longo prazo (cavalos frequentemente sofrem com úlceras estomacais quando ficam muito tempo sem ingerir feno). Enfim, voltando ao assunto.

Como os animais monogástricos conseguem compensar a pobreza das fibras simplesmente comendo mais, isso significa que eles não precisam ingerir alimentos com qualidade alta ou moderada para conseguir sobreviver. Como eles podem sobreviver se alimentando de vegetação mais pobre (que seria aquela mais fibrosa, dura, difícil de digerir) eles podem habitar áreas que os poligástricos teriam mais dificuldade de viver, como as Estépes da Mongólia onde vive o Cavalo de Przewalski (Equus ferus przewalskii), uma subespécie de cavalo selvagem. 
Cavalo de Przewalski (Equus ferus przewalskii)
Foto de Lawrence


Ou a região da Puna, no Atacama, onde vivem a Viscacha do Sul (Lagidium viscacia) um parente próximo da chinchila.
Viscacha Peruana (Lagidium viscacia)
 Pacajes, La Paz, Bolivia
Foto de ©FabVetWild




Desvantagem dos Animais Monogástricos

Maior propensão a intoxicações

Como o alimento só é fermentado depois que passa pelo estômago, a neutralização ou a destruição de substâncias perigosas fica comprometida, e assim os animais monogástricos ficam mais propensos a sofrerem com contaminações. É justamente por isso que cavalos precisam receber alimentos de maior qualidade sanitária. E perigoso oferecer alimentos velhos para cavalos, eles são sensíveis a toxinas e podem vir a sofrer com dores abdominais por conta delas. A principal causa de morte em cavalos está justamente relacionada com o aparecimento da cólica, que é um desconforto abdominal.

Os animais monogástricos frequentemente apresentam problemas com uma substância conhecida como “Oxalato” (ácido oxálico). O oxalato é um ácido orgânico produzido pelas plantas, e quando é ingerido em grandes quantidades causa grandes problemas em cavalos, coelhos e porquinhos da índia. O oxalato não é neutralizado por esses animais, e costuma causar dois problemas principais.

Em cavalos, o oxalato ingerido se liga as moléculas de cálcio absorvidas pelos animais, e isso impede que o cálcio seja absorvido no sangue. Dessa maneira os animais desenvolvem graves deficiências de cálcio e sofrem com problemas esqueléticos como a Osteodistrofia Fibrosa (conhecida popularmente como “cara inchada”).
Osteodistrofia Fibrosa (doença da “cara inchada”)
Comparação entre um cavalo com a enfermidade (a esquerda) e um cavalo saudável (direita)
 Foto retirada do site “blog.equinovet.com.br


Em coelhos e porquinhos da índia o oxalato se liga ao cálcio e forma pedras na bexiga ou uretra. Como resultado, os animais sofrem com muita dor, não conseguem comer e beber e acabam morrendo de desidratação.
Por conta disso, não devemos oferecer capins que são ricos em oxalato para esses animais (normalmente os animais comem esses capins como última opção, eles não gostam deles). O grande problema é que o oxalato é encontrado em plantas fibrosas, duras, que são resistentes a seca e que também resistem ao pisoteio causado pelo pastejo. Essa são justamente as características da maior parte dos capins que são cultivados aqui no Brasil.

Os capins que tem grandes concentrações de oxalato, e que você deve evitar de oferecer para os animai, são (clique no nome pra saber mais detalhes):

(1) Capim Setária (Setaria sphacelata ou qualquer outra do gênero Setaria)

Dos 180 milhões de hectares destinados a pastagens no Brasil, a grande maioria (80%) é formada pelo Capim Braquiária. E para o nosso azar, o Capim Braquiária é justamente o capim que tem as maiores concentrações de oxalato. Além disso, o Capim Braquiária é muito suscetível a contaminações por fungos, então entre essas espécies de capim, ele é a pior escolha possível (não forneça fresco ou na forma de feno). Normalmente cavalos, coelhos e porquinhos da índia sabem identificar esses capins com níveis altos de oxalato (normalmente eles não os comem por conta do gosto ruim).

Os animais poligástricos (bois, vacas) fermentam a fibra e depois a digerem, e isso ajuda a neutralizar o oxalato. Por isso esses animais podem comer esses capins sem muitos problemas. Esses capins na maior parte são africanos, e só foram trazidos para o Brasil justamente para alimentar o gado.

Os capins mais recomendados para alimentar cavalos, coelhos e porquinhos da índia são aqueles que possuem baixas concentrações de oxalato em suas folhas. São eles:

(6) Capim Tanzânia/Mombaça/Aruana/Massai (Megathyrsus maximus, antigamente conhecido como Panicum maximum)


A Grama Bermuda (Cynodon dactylon), Grama Estrela (Cynodon nlemfuensis e Cynodon plectostachyus) e o Capim Coastcross, Tifton, Florakirk (cultivares selecionadas do gênero Cynodon) são DE LONGE os capins mais recomendados para a alimentação de animais monogástricos (e poligástricos também). São os capins mais palatáveis (mais aceitos pelos animais) e mais ricos em nutrientes. Por isso são os capins mais utilizados para fazer feno. Também são os capins mais plantados em haras (fazendas onde se criam cavalos).
Os capins do gênero Cynodon são mais difíceis de serem encontrados pela cidade (são a elite entre os capins), por isso os capins mais fáceis de você achar para alimentar os animais vão ser o Capim Andropógon (Andropogon gayanus), Capim Elefante (Pennisetum purpureum) e Capim Mombaça (Megathyrsus maximus).
O Capim Andropógon (Andropogon gayanus) é o que eu mais utilizo para alimentar os meus porquinhos da índia (eles AMAM esse capim). Esse é um capim de grande porte que prefere ser plantado no chão, mas ele também cresce muito bem em vasos (super resistente a seca e falta de adubo).
Capim Andropógon (Andropogon gayanus) plantado em latas de tinta
Essas são mudas que eu coletei de um terreno baldio


Normalmente eu só ofereço o Capim Andropógon fresco, em forma de feno eu prefiro oferecer a Grama Esmeralda (Zoysia japônica) que cresce aqui em casa e é altamente aceita por eles. Eu mesmo faço o processo de fenação (colho a grama, coloco pra secar ao sol e depois armazeno).
Meus Porquinhos da Índia
Bruce (branco com preto) e Légolas (laranjado)
Essa publicação é dedicada a eles



Quintal com Grama Esmeralda (Zoysia japônica)

 Folhas de grama Esmeralda (Zoysia japônica)

Grama Esmeralda (Zoysia japônica)


A grama deve ser cortada em seu auge, quando está mais bonita (é quando as folhas tem maior qualidade nutricional). Não colha folhas secas, tudo bem ? O objetivo do processo de fenação é conservar os nutrientes da folha retirando a água do seu interior (sem água, a folha não apodrece). Uma folha já seca não tem muitos nutrientes disponíveis, então não vale apena corta-la.

Depois de colher todas as folhas, coloque tudo pra secar ao sol.
Secando a Grama Esmeralda (Zoysia japônica)

Secando a Grama Esmeralda (Zoysia japônica)

 Feno de Grama Esmeralda (Zoysia japônica)


Pode levar dias para todas as folhas secarem, então pra ajudar no processo sempre de uma mexida nelas.
Estocando o feno de Grama Esmeralda (Zoysia japônica)


Depois de secas as folhas podem ser armazenadas por meses. Aqui 1 saco de 100 litros de feno dura mais de 6 meses tranquilamente (e olha que meus porquinhos são maquinas de comer feno).
Pra saber mais informações sobre capins, é só dar uma olhada no site das Forragens Tropicais

Ou dar uma olhada na minha publicação: "Identificação de Capins Nativos Ornamentais".

Mas agora vamos voltar ao assunto principal (desvantagens dos monogástricos).

Capacidade limitada de absorção

Os monogástricos herbívoros podem fermentar a celulose quase tão bem quanto os poligástricos, porém o processo de digestão da fibra vegetal é mais eficiente nos poligástricos. Nos poligástricos a fibra é mastigada várias vezes, depois é fermentada no estômago várias vezes, depois é digerida no estômago, e depois os nutrientes do processo são absorvidos no intestino (o que não é fermentado no estômago também pode ser fermentado no intestino, porque lá também existem microrganismos, poucos em comparação com os monogástricos, mas existem).

Nos monogástricos herbívoros a fibra não é muito mastigada, é fracamente digerida no estômago e depois segue para o intestino, onde é fermentada e os resultados do processo são absorvidos. Depois de fermentada a fibra não é digerida pelo estômago (afinal, ela já passou por ele), então todos os nutrientes precisam ser obtidos apenas do processo de fermentação no intestino. Muitas fibras acabam não sendo quebradas na fermentação (algumas são mais duras e precisam de mais tempo), então muitos nutrientes acabam sendo perdidos, pois as fibras não fermentadas são transformadas em fezes e depois são eliminadas.

Pra tentar compensar essa perca de nutrientes, grande parte dos monogástricos herbívoros simplesmente acaba consumindo mais fibras. O problema disso é que esses animais acabam tendo mais dificuldade de viver em ambientes onde a quantidade de comida é limitada. Eles podem viver em regiões onde a vegetação é bem pobre (rica em fibras), mas não podem viver bem em regiões onde a comida é escassa (desertos). Diferente dos poligástricos, se os monogástricos ficarem muito tempo sem comida eles podem morrer por inanição.

Outra forma que os monogástricos herbívoros desenvolveram para evitar a perca de nutrientes está relacionada com a sua reabsorção.

Reabsorção de Nutrientes em Animais Monogástricos

O problema dos monogástricos herbívoros é que muitas fibras acabam não sendo quebradas na fermentação pela falta de tempo, então muitos nutrientes acabam sendo perdidos. Alguns animais resolvem esse problema fazendo uma separação das fibras, por meio do processo conhecido como “refluxo intestinal”. O refluxo intestinal consegue fazer uma separação das fibras durante o processo final de fermentação.

No final do processo de fermentação sobram 3 produtos: (1) fibras já digeridas, (2) fibras parcialmente digeridas e (3) fibras indigestas.

As fibras já digeridas e as fibras indigestas (que são aquelas muito duras e não podem ser fermentadas) fazem o percurso normal do intestino e são transformadas em fezes no final do órgão, sendo eliminadas posteriormente. Já as fibras parcialmente digeridas não fazem o percurso normal do intestino, antes de chegaram ao final do órgão e serem transformadas em fezes, elas retornam novamente para o “meio” do intestino (através de movimentos especiais do órgão elas fazem o caminho contrário) e passam novamente pelo processo de fermentação. Dessa maneira as fibras podem ter uma segunda chance de serem quebradas e terem seus nutrientes absorvidos. Só depois disso as fibras viram fezes e são eliminadas.

Animais monogástricos que costumam fazer esse processo são os Cavalos, Jumentos e Zebras. Coelhos e roedores caviomorfos (Porquinhos da Índia, etc.) também podem fazer o mesmo processo, mas eles vão muito além disso.

Reabsorção de Nutrientes em Coelhos e Roedores Caviomorfos

Apesar das fibras retornam ao intestino para serem fermentadas novamente, inevitavelmente alguns nutrientes acabam sendo perdidos, e pra explicar o porque disso, precisamos falar um pouco melhor do intestino.

Falando de maneira BEM SIMPLIFICADA: o intestino dos animais monogástricos herbívoros é divido em basicamente 3 regiões: (1) região do intestino delgado, (2) região do ceco e (3) região do intestino grosso (cólon).
Intestino dos Animais Monogástricos
 Ilustração retirada do livro “A Vida dos Vertebrados - 4ª Edição - 2013 - F. Harvey Pough, Christine M. Janis, John B. Heiser”


O intestino delgado é a principal região de absorção de nutrientes. Já o ceco é a região onde a fermentação ocorre. O intestino grosso é meio que uma “mistura” entre o ceco e intestino delgado. Ele pode fazer a fermentação e ao mesmo tempo absorver nutrientes, porém menos em comparação com o intestino delgado.
O processo de digestão é mais eficiente nos animais poligástricos justamente porque as fibras passam pelo intestino delgado. As fibras fermentadas (no estômago) são digeridas (também no estômago) e ficam prontinhas pra passar pelo intestino delgado (que fica depois do estômago), onde os nutrientes podem ser absorvidos em massa. Depois elas ainda podem passar para o intestino grosso, onde são mais uma vez fermentadas (um pouquinho) e os últimos nutrientes são finalmente absorvidos.

Nos animais monogástricos herbívoros a fermentação ocorre principalmente na região do ceco (esse é o caso de coelhos e roedores caviomorfos) e na região do intestino grosso (caso dos cavalos, jumentos e zebras), e essas duas regiões ficam DEPOIS do intestino delgado.
Ilustração do sistema gastrointestinal de um cavalo
O ceco e o intestino grosso ocupam a maior parte do espaço interno do animal
Ilustração de Three Oaks Equine, retirada do site “horsenetwork.com


Ou seja, os nutrientes da fermentação nunca passam pela região especializada em absorver nutrientes. O que tiver que ser absorvido, tem que ser absorvido no intestino grosso, porque essa é a região final do intestino. E é aí que muitos nutrientes são perdidos na forma de fezes ricas em nutrientes. Só pra vocês terem uma ideia, o estrume produzido por cavalos tem quase o dobro de nitrogênio em comparação com o esterco produzido pelas vacas.

A estratégia utilizada pelos coelhos e roedores caviomorfos está justamente em reaproveitar essas fezes ricas em nutrientes. Como isso acontece ? Vamos relembrar.

No final do processo de fermentação sobram 3 produtos: (1) fibras já digeridas, (2) fibras parcialmente digeridas e (3) fibras indigestas.

As fibras já digeridas e as fibras indigestas fazem o percurso normal do intestino e são transformadas em fezes no final do órgão, sendo eliminadas posteriormente (ou seja, elas entram no intestino grosso e depois saem dele). Já as fibras parcialmente digeridas entram no intestino grosso, são fermentadas e antes de saírem do órgão, retornam pra ele novamente para serem fermentadas de novo. O produto dessa segunda fermentação é rico em proteínas, água e vitaminas, e a melhor maneira dele ser absorvido é passando pelo intestino delgado. Como ele pode passar pelo intestino delgado ? Simples, sendo reingerido pelo animal.

O produto dessa segunda fermentação é chamado de Cecotrofo. O cecotrofo quando está pronto é “embalado” por um muco protetor e é eliminado como um tipo de fezes especial. Então coelhos e roedores caviomorfos produzem 2 tipos de fezes:

(1) Fezes secas e duras, ricas em fibras e pobre em nutrientes
Fezes “normais” de um coelho
 Foto retirada do site “www.therabbithouse.com



(2) Fezes úmidas e moles, pobres em fibras e ricas em nutrientes (o cecotrofo)
Cecotrofo de um coelho
Foto retirada do site “www.medirabbit.com


As fezes secas e duras são eliminadas depois que passam pelo intestino grosso (ou seja, não são consumidas). Já os cecotrofos são consumidos imediatamente depois que saem do intestino (são capturados ainda no anus do animal, não entram em contato com o chão). Os animais (através de vários estímulos diferentes) sabem quando os cecotrofos estão prontos. O cecotrofo não é mastigado, ele é engolido e passa intacto pelo estômago. O muco protetor impede os ácidos do estômago de destruírem o cecotrofo, mas não impede os nutrientes de serem absorvidos quando chegarem no intestino delgado. É dessa maneira que coelhos e roedores caviomorfos (Porquinho da Índia, etc.) podem reaproveitar os nutrientes que seriam perdidos.

Além de coelhos e roedores caviomorfos, outros animais fazem esse mesmo processo, como o Gambá Comum Australiano (Pseudocheirus peregrinus) e o Lêmure Lepilemur mustelinus.
 Lepilemur mustelinus
Foto de © Dede Randrianarisata



O vídeo abaixo ilustra o processo de produção de cecotrofos em coelhos.


Agora que sabemos disso tudo, FINALMENTE podemos falar sobre as diferenças entre a digestão de coelhos e roedores caviomorfos.

OBS - Coprofagia é um termo que se refere ao consumo de fezes, não importa o tipo e o motivo. Se o animal tem o hábito de comer suas próprias fezes, então ele é um animal coprófago. Apesar de coelhos e roedores caviomorfos apenas se alimentam de um tipo específico de fezes (a que foi feita pra ser comida, o cecotrofo), eles se encaixam na definição de coprofagia e, portanto, são animais coprófagos por natureza.


Diferença entre Lagomorfos e Roedores Caviomorfos

Lebre Marrom (Lepus europaeus) e Porquinho da Índia doméstico (Cavia porcellus)
Fotos retiradas do site “www.mikerae.com” e “wallpapercave.com



Roedores Caviomorfos

Se lembram quando eu falei que muitas fibras acabam não sendo quebradas na fermentação pela falta de tempo ? E que muitos nutrientes acabam sendo perdidos por conta disso ? Pois é. A diferença entre os coelhos e roedores caviomorfos mora aqui.
Roedores caviomorfos (Porquinhos da Índia, Capivaras, Cutia, Paca, etc.) podem manter essas fibras por longos períodos dentro de seus intestinos (na região do ceco), então elas podem ficar fermentando por muito, muito tempo. Isso significa que a microbiota intestinal consegue quebrar a celulose até das fibras mais duras. Por conta disso, animais como porquinhos da índia são menos seletivos na hora de comer, e podem sobreviver se alimentando de plantas mais fibrosas, que muitos animais não comem por serem muito duras.

O Capim Ichu (Stipa ichu) é bastante fibroso, ele é o capim mais comum do Altiplano Andino, região onde vive o Porquinho da Índia das Montanhas (Cavia tschudii).
Capim Ichu (Stipa ichu)
Foto retirada do site “www.biolib.cz

Porquinho da Índia das Montanhas (Cavia tschudii)
Quispicanchi, Peru
Foto de Tangaras


O Porquinho da Índia das Montanhas consegue se alimentar dessas plantas sem problemas. Essa é espécie ancestral que foi domesticada a 5 mil anos, de onde descendem todos os porquinhos da índia modernos.


Lagomorfos

Os lagomorfos fazem exatamente o contrário que os roedores caviomorfos. Eles não podem manter as fibras por longos períodos no intestino (na região do ceco), então as fibras não podem ficar fermentando por muito tempo. Isso significa que a microbiota intestinal não tem tempo de quebrar a celulose das fibras mais duras. Por conta disso, animais como coelhos são mais seletivos na hora de comer, eles evitam comer alimentos muito fibrosos, preferindo comer as partes mais macias do vegetal.

Em uma pesquisa sobre preferência alimentar, os coelhos sempre comiam menos feno em comparação com os porquinhos da índia. Já em outra pesquisa, os coelhos tinham mais dificuldade de manter o peso estável quando eram alimentados apenas com feno, enquanto que os porquinhos da índia, além de conseguirem manter o peso, também conseguiam aumenta-lo apenas comendo o mesmo feno.

Essa questão das lebres e coelhos manterem as fibras por menos tempo em seus intestinos tem um lado muito positivo. Com as fibras sendo eliminadas mais rapidamente, as lebres e coelhos conseguem manter um peso corporal mais baixo, e assim eles se tornam mais leves. Ficando mais leves, eles podem atingir grandes velocidades, conseguindo correr bem mais rápido do que outros animais do mesmo tamanho. Veja esses vídeos abaixo.

Lebre Ártica (Lepus arcticus) fugindo de Lobos do Ártico (canis lupus arctos)



Lebres fugindo de Águias Reais



Lebre correndo a toda velocidade




Referências


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